Mulotana tem sede
- PORTAL MOZ
- 27 de mar. de 2016
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Moradores da localidade de Mulotana, província de Maputo, e bairros circunvizinhos passam por um verdadeiro calvário. Motivo: falta de água. É que aquele ponto do distrito de Boane não dispõe de nenhum furo de água.
Do sistema montado pelo Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG) também não jorra sequer uma gota. Bairros como Mahlampsene e Tchumene, do Município da Matola, estão de torneiras fechadas há bastantes meses.
A localidade de Mulotana bem como outras zonas que vêm sendo largamente ocupadas nos últimos tempos para a construção de infra-estruturas, tanto para habitação, assim como de negócio, passam por um verdadeiro aperto devido à falta de um elemento considerado mais importante para a vida de qualquer indivíduo: a água.
Boa parte dos moradores adquire-a em bidões, um negócio feito por indivíduos que retiram de fontes instaladas em Malhampsene, Município da Matola, sendo que cada recipiente de 20 litros custa entre 10 e 12 meticais, enquanto abastecer um tanque de 5 mil litros sai por 1800.00 meticais.
Clientes com reduzida capacidade financeira recorrem a alguns poços que foram por ali abertos. Mas essa água não garante a saúde pública, pois para além de ser salubre, apresenta um aspecto assustador. À primeira vista assemelha-se a um refrigerante.
Aliás, como é visível nas fotos desta Reportagem, os receptáculos onde essa água é conservada mudam de estado, alguns apresentam cor vermelha, outros, azul.
No seio das comunidades, ninguém sabe explicar por que motivo a água apresenta aquele aspecto, somente pedem socorro ao Governo de forma a ultrapassarem as péssimas condições em que vivem, já que, de acordo com suas declarações, consomem aquela água por não terem outra alternativa, mesmo reconhecendo que a mesma periga as suas vidas.
A nossa equipa visitou, há dias, um dos locais onde estavam concentradas várias mulheres e crianças, estas, de idades que variam entre 10 e 14 anos, à busca do precioso líquido. Cada uma trazia consigo, em média, cinco ou 10 bidões ou baldes.
Lá eram visíveis semblantes de tristeza, cansaço e preocupação. Conforme ficamos a saber, a maior parte daquelas senhoras estava ali desde as 3:00 horas da madrugada. Outras, sobretudo aquelas que moram um pouco distante, haviam pernoitado naquele local.
FALTAM OUTRAS ALTERNATIVAS

Sujeitarem-se àquela água com fortes dúvidas em relação à sua qualidade parece ser a única alternativa dos moradores de Mulotana e Mavoco. Algumas das nossas entrevistadas referem que já se ressentem de dores de estômago e a desconfiança recai sobre aquele líquido que vêm consumindo.
Madalena Tivane, que considera a situação como constrangedora, referiu que não se lembra da última vez que passou uma noite inteira na sua casa. Todos os dias acorda às 3:00 ou 4:00 horas de madrugada para ir ao poço. Certas vezes, dorme neste local e só regressa ao meio-dia ao seu lar.
“Hoje (quarta-feira) cheguei aqui às 4:00, até agora, 10:00 horas, ainda não consegui pelo menos água para lavar a cara, e nem sei como é que está a minha casa. Não posso desistir porque não tenho outro sítio para ir buscar água”, disse.
Tivane lamenta pelo sofrimento a que os residentes do seu bairro estão sujeitos todos os dias. “As pessoas deste bairro, sobretudo as mulheres e as crianças, estão proibidas de exercer outras actividades, a não ser permanecer horas a fio no poço. Uma criança que vem para aqui de manhã dificilmente vai à escola nesse dia”.
Por sua vez, Lurdes Rodolfo que se mudou para aquelas bandas na passada terça-feira, vindo do bairro Nkobe, Município da Matola revelou que está arrependida, pois as actuais condições não a deixam à vontade.
“Estou neste bairro desde ontem, a situação está a me deixar fora do sério. Sai de casa às 5:00 horas, ainda estou aqui, nem sei como é que estão as minhas crianças. Estou mais preocupada porque a água que tiramos daqui é vermelha. A comida preparada usando esta água também fica vermelha, só não sei se não nos vai provocar diarreias”, disse.

Por seu turno, Fátima Carlos, que vive no Mavoco, conta que no seu bairro a situação é crítica porque não tem praticamente fontes de água. A única fonte é o poço que foi aberto em Mulotana e para chegar ao local caminha mais de três horas. Chega a dormir neste local, algumas vezes acompanhada do seu esposo.
“Estou aqui desde ontem à noite. Dormi aqui. Prefiro assim porque a minha casa é longe daqui. Dormi aqui, mesmo assim, só agora, 10 horas, é que consegui encher todos os meus bidões. Agora tenho outra batalha que é transportar um de cada vez para casa, cada viagem faço três horas de percurso”, referiu.
Já António Roque é um menino de 14 anos de idade, e que vive também no bairro Mavoco, na casa do seu irmão. Tal como Fátima, Roque conta que chegou ao poço no dia anterior na companhia do seu irmãozinho de 10 anos. Os dois traziam consigo 10 bidões de 20 litros.
“Chegamos aqui ontem à noite. Sabemos que é perigoso circular a essa hora, sobretudo nós crianças, mas se não o fizermos não teremos água que tanto necessitamos. Começamos agora a transportar e só terminaremos esta noite porque temos que interromper às 12:00 horas para irmos à escola”, disse António Roque.
PERCORRER RUAS COM TXOVAS
Vários jovens residentes em alguns bairros como Mulotana e Malhampsene levam a cabo o negócio de venda de água potável naquelas comunidades. O líquido é adquirido no bairro Malhampsene e transportado em bidões de 20 litros através de txovas. Já conhecidos, várias vezes são contactados para garantir o precioso líquido em vários domicílios.
A compra gira entre 3 e 5 meticais cada 20 litros e a revenda, por exemplo em Mulotana, entre 10 e 12 meticais. Estes jovens revendedores de água consideram o negócio, por um lado lucrativo, mas por outro cansativo, visto que chegam a percorrer distâncias longas para efectuar as entregas.
Joaquim Fernando afirmou que está a valer a pena praticar este comércio porque para além de ajudar os seus vizinhos e demais pessoas consegue algo para o sustento da sua família.
“Num dia consigo vender pelo menos 20 bidões. Mas é preciso efectuar um grande esforço por causa da distância entre o sítio onde adquirimos e onde vendemos. Por dia faço duas viagens e, a cada vez, carrego 16 bidões de 20 litros”, disse Fernando.
Por sua vez, Joshua Manhiça, disse que para além de abastecer com o seu txova o bairro de Mulotana, é também solicitado em alguns quarteirões de Malhampsene onde igualmente enfrentam o problema de falta de água.
Manhiça conta que trabalha com enormes dificuldades, visto que a empresa FIPAG ordena aos seus clientes para não venderem a água, e a quem for apanhado pode ser passado uma multa.
“Mesmo assim, graças a Deus, encontramos famílias que ignoram a medida daquela empresa. A falta de água é um problema sério. Só para ver, mesmo aqui em Malhampsene existem casas onde não jorra água desde o ano passado, disse.
CLIENTES DESAPONTADOS
Os moradores do bairro Tchumene II, Município da Matola, clientes do Fundo de Investimento e Património de Abastecimento de Água (FIPAG), mostram-se revoltados com aquela instituição devido ao não cumprimento das suas obrigações.
Os mesmos revelaram que das suas torneiras não jorra água desde Junho do ano passado, 2015. Facto curioso, é que, mesmo assim, pagam facturas referentes ao consumo mensal. Quando procuram saber sobre a razão da emissão das facturas, a resposta é que “se deve ao facto de deixarem as torneiras abertas”, sendo que, de acordo com tal argumentação, quando expele ar o contador regista como se de água se tratasse.
A situação aborrece os consumidores do FIPAG, visto que até ao momento não há informações sobre quando é que o problema poderá ser solucionado.
Catarina António revelou que os moradores daquele bairro estão agastados pelo facto de estarem a pagar por algo que não consomem. Ela conta que por mês recebe uma factura de 250 meticais.
“No ano passado, disseram-nos que o problema seria solucionado em Janeiro deste ano, pelos vistos foi apenas uma simples promessa porque ainda continuamos a deambular todos os dias à procura de água”,disse.
Por sua vez, Zaida José, outra cliente do FIPAG, referiu que já não se lembra do último dia em que da sua torneira pingou água, simplesmente soube afirmar que foi no ano passado.
#Somos burlados todos os meses. Para ter água aqui em casa recorremos aos bairros vizinhos, como é o caso Tsalala, compramos por três meticais, cada bidão. Mas lá também nos deparamos com outro problema porque que água é salubre”, disse.
Na ronda que fizemos naquele bairro do município da Matola, conversamos com Anita Duvane. Na altura acabava de voltar do FIPAG para onde se tinha dirigido para pagar a factura do presente mês.
“Tentamos pagar ontem (quarta-feira)no ATM, não foi possível porque tínhamos dívida de três meses. Só pagamos para manter a torneira em casa, com a esperança de um dia beneficiarmos de novo do abastecimento. Neste momento a situação é desoladora porque somos obrigados a madrugar todos os dias à procura de água, referiu.
CERCA DE 20 CASOS DE DIARREIA POR MÊS

- Xavier Vilanculo, enfermeiro
O enfermeiro e responsável do Centro de Saúde de Mulotana, Xavier Vilanculo, disse que atende cerca de 20 pessoas por mês com problemas de diarreia, para além de cerca de 400 de malária e 300 de problemas respiratórios. Acredita que esses casos de diarreia estejam relacionados a qualidade de água que é consumida nas comunidades, enquanto os problemas de infecção respiratória têm a ver com as péssimas condições de vias de acesso.
Vilanculo disse para fazer face ao problema, a sua direcção está a levar a cabo palestras, assim como distribuição de cloro, àquelas famílias que vão ao centro para atendimento médico.
Neste momento, esta acção decorre apenas naquele centro e perspectiva-se que nos próximos tempos se estenda para as comunidades.
“A tendência nos últimos tempos é de aumentar o número dos casos de diarreia. Então, achamos ser necessária a divulgação dos mecanismos de tratamento da água nas comunidades. Para o efeito, solicitamos a canalização de um subsídio, para pagar as pessoas envolvidas nessa divulgação, mas ainda não tivemos resposta”, disse.
Fonte: Jornal Domingo
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